"26 de Agosto de 2014
Dia do meu aniversário. 40 anos, 4 décadas de vida. Acordo pouco antes das 8h da manhã, com o som de um camião a entrar demasiado depressa na rua onde moro. Encolho-me toda na cama, enquanto penso que é desta que vou ficar sem carro, porque o camião vai chocar contra ele. Fico à espera e sinto que o camião trava bruscamente. Boa, o carro safou-se. Relaxo os músculos e deixo-me ficar na cama por mais alguns minutos.
Levanto-me pelas 8h20m e dou conta da minha única resolução para este dia: encarar a balança e a fita métrica. Sempre fui gorda. Já por várias vezes tentei perder algum peso. Numa delas consegui, despachei 18 kgs! Mas a mente atraiçoa-me sempre e entretanto já recuperei os quilos perdidos e ainda lhes juntei mais alguns. Efeitos de não conseguir lidar com o facto de deixar de trabalhar e da depressão que se instalou.
Peso-me, meço-me e assusto-me. A balança marca 91,6kg. A fita métrica mostra-me uma cintura descomunal (ou melhor, inexistente, já que se confunde com a barriga). É desta. É desta que tenho de começar a prestar atenção a mim própria. E é com este pensamento que me dirijo até à cozinha.
Tomo o pequeno-almoço, coisa que não costumo fazer: uma taça de iogurte grego magro com muesli. De seguida, um café e um cigarro. E penso que, além de perder peso, também tenho que deixar de fumar. Mas isso... Fica para outra altura.
Ontem pesquisei vídeos de exercícios na internet. Penso em começar, mas fico-me pelo pensamento. Vejo as notícias da manhã na tv e entretanto acorda o filho. Está eufórico, do alto dos seus 5 anos. Dá-me os parabéns no meio de muitos abraços e miminhos. Fica sério e diz que não tem nenhuma prenda para mim. E eu digo-lhe, com um sorriso, que não faz mal - bastam os seus miminhos, os beijinhos, os abracinhos. Ele agarra-se outra vez a mim, com mais parabéns e abracinhos. Dou-lhe o pequeno-almoço.
Entretanto, acorda o marido. Tomamos outro café, fumamos outro cigarro. Decidimos não fazer nada de especial, não há dinheiro nem vontade. Ele vai ao centro de saúde marcar uma consulta. Eu continuo na cozinha, a ver tv, metida com os meus pensamentos. Só sei que hoje não quero cozinhar nem aborrecer-me. O filho entra na cozinha e pergunta pelo bolo de anos. Eu respondo que não vai haver bolo, porque eu não ligo nenhuma ao dia dos meus anos. Ele fica triste, mas não reclama. Já ei fico com uma sensação de culpa enorme.
Abro o frigorífico e está lá uma massa quebrada. Acabo por ceder e faço uma tarte de laranja com merengue.
Chega o marido. Outro café, outro cigarro. Penso outra vez que devia ir fazer algum exercício. Em vez disso, enfiamo-nos os dois na cama, a ver tv. Ele adormece. Eu começo a achar que este é um dia de aniversário muito estúpido, mas enfim.
Chega a hora do almoço. Eu mantenho-me fiel à minha ideia inicial e nem me mexo. Ele lá se resolve a ir buscar um frango assado. Almoçamos. Comemos uma fatia de tarte cada um como sobremesa. O telemóvel toca quando estamos à mesa e nem me levanto, não ligo nenhuma. Já sei que ou é o meu pai, ou é o meu irmão. Mais ninguém se lembra que é o meu aniversário. E mesmo assim... O meu pai lembra-se porque a agenda lhe diz. O meu irmão lembra-se porque o pai lhe telefona a lembrar.
Depois do almoço, eles os três (marido, filha e filho) atrelam-se aos computadores. Podíamos ir à praia, mas está vento. Eles aproveitam-se da desculpa para não perderem uma tarde no computador. Eu rendo-me, que remédio. Passeio pelos blogs, pelo Pinterest. Não vou ao Facebook há meses e assim pretendo continuar. Estou farta das hipocrisias dos supostos "amigos". Acabo por agarrar neste caderno e começar a escrever, sem rumo. Mais uma vez penso que devia começar a fazer algum exercício. Quem sabe, o dia ainda não acabou. A ver vamos.
Perto das 17h desço. Vou à cozinha, mais um cigarro. Penso outra vez no exercício, mas em vez dele como um gelado. Sinto-me culpada e atiro-me às bolachas, enquanto a culpa aumenta exponencialmente. O marido desce também para fumar. Pergunta-me o que quero fazer, eu encolho os ombros. Irrita-me esta postura dele, de empurrar todas as decisões para mim. Ficamos neste impasse alguns minutos, até que resolvo ir deitar-me, descansar a cabeça que já dói, talvez até fechar os olhos.
19h30m. Levanto-me, a cabeça melhorou. Na cozinha, café e cigarro. Vejo o My Kitchen Rules, na Fox Life. Jantar? Pão com frango desfiado e ovos mexidos. Aguentem-se, porque eu cá tive um dia de anos de cão. No final, mais uma fatia de tarte, mais um café, mais um cigarro. Ele arruma a cozinha. Pelo meio, chateio-me com a filha, que me dá uma resposta torta e arrogante, como se tivesse o rei na barriga e o mundo inteiro girasse à volta dela.
Subo. Para não passar o serão a magicar em tudo isto, resolvo fazer uma bolsinha em crochet. Fica gira, muito gira. Mas não faço ideia para que é que vai servir. Aliás, como quase todas as outras coisas que já fiz. E todas as que ficaram a meio também.
Neste final de serão de dia de aniversário, percebo aquilo que já sabia há muito: estou só, isolada, triste, deprimida. O telefone tocou duas vezes em todo o dia - o meu pai e o meu irmão. Apenas porque é de praxe dar os parabéns e o telemóvel avisa. Não me vesti. Não saí de casa. Não comemorei. Um dia igual a todos os outros. Doeu. Doeu muito. Não que eu ligue ao aniversário, mas custa-me ser invisível aos olhos daqueles a quem já dei tanto (incluindo amigas que já não o são, porque deixei de ser interessante quando deixei de trabalhar).
Paciência. Amanhã será um outro dia, provavelmente igual a hoje."
Se por acaso houver por aí alguma resistente que tenha tido a coragem e a paciência de ler este chorrilho de disparates, informo que este texto foi escrito na minha pior fase. Que, felizmente, já passou. E a minha resolução para 2015 é simples:
NÃO ME PERMITIR VOLTAR A SENTIR-ME ASSIM. NEM QUE TENHA QUE
PASSAR COM UM TRACTOR POR CIMA DE ALGUÉM
(metaforicamente falando, claro)